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Santa Maria do Herval: Da escola para a roça, e nunca mais parou

29/05/2025 - 10h02min

Atualizada em 29/05/2025 - 14h22min

Gilberto adubando as hortaliças antes da chuva chegar, na companhia do seu cão (FOTOS: Mauri Marcelo Toni Dandel)

Na mesma terra onde cresceu, Gilberto ainda planta, colhe e lembra dos bailes de antigamente

Santa Maria do Herval | Era uma tarde de nuvens grossas, como se o céu também se preparasse para escutar. No alto do Morro dos Bugres, Gilberto Olbermann jogava ureia nos pés de couve, se preparando para a chuva que estaria por vir. Seus olhos estavam atentos às plantas, seus pés firmes na terra. Não havia pressa, apenas o ritmo da vida — esse como que ele conhece como poucos.

Aos 68 anos, Gilberto ainda cultiva a terra como quem respeita um velho amigo. As plantações não são só trabalho: é memória, é tempo, é história. Por entre o cheiro do adubo e o verde que cobre o chão, ele carrega décadas de uma trajetória feita de sol, sereno e suor.

Uma vida na terra

Gilberto nasceu no Herval e foi o primogênito de uma família de agricultores. Começou cedo, aos dez anos, ajudando o pai a plantar batata, milho e feijão. “De manhã ia para a escola, e de tarde, na roça”, relembra, com um meio sorriso de quem ainda sente o peso e a doçura daqueles dias.

O trabalho, antes todo braçal, se dava com a força dos bois, a lida com as carroças, arados e a enxada. Era preciso muito mais do que força física: mas também paciência e dedicação. Tudo era no braço, no capricho, no suor.

Hoje, a modernidade chegou ao campo, com tratores e implementos que tornam o serviço mais fácil. Mas, mesmo assim, a rotina continua exigindo o mesmo comprometimento. Cada dia é marcado por uma necessidade constante de atenção à lavoura, como se a terra, de algum modo, pedisse pela presença do agricultor, para que ele cuide, observe e respeite os ciclos da natureza.

Além das hortaliças, Gilberto cuida de três aviários. São 42 mil frangos sob seus cuidados, produzidos para a Nutrifrango, de Morro Reuter. Mesmo com tanta responsabilidade, não há queixa em sua fala. Há um orgulho sereno. Uma dignidade silenciosa que se traduz na rotina diária.

Planta cerca de cinco mil mudas por mês — repolho, couve, brócolis. Cuida, colhe, aduba, vende. Se não está na lavoura, está nos aviários. “Todos os dias tem serviço”, diz. E repete com naturalidade, como quem sabe que a vida não para.

Desde os 10 anos, o agricultor trabalha na roça, sempre em Morro dos Bugres Alto

O “esporte” do final de semana

Apesar da lida pesada, Gilberto também guarda tempo para um pequeno prazer: jogar cartas. Diz que esse é o seu esporte. Só no fim de semana, claro. “Sábado e domingo dá, durante a semana não tem tempo.” Às vezes, ainda vai numa festa, mas são momentos raros hoje em dia.

Esse costume de reunir-se em turma vem de longe. E quando começa a contar, os olhos brilham. Como se visse tudo de novo.

Quando os bailes duravam até o sol nascer

“O pessoal ia a pé para os bailes”, recorda. Iam para o Jammerthal, para o Kerb em Walachai, para o Salão Schmitt, para o Kunst, para a Boa Vista, Alto Padre Eterno no Salão Thomé, Linha Marcondes. Era gente de toda parte que se reunia ao longo do percurso. “Turmas de 10, 15, às vezes 20.”

Começava às oito da noite e ia até as quatro, cinco da manhã. Moças e rapazes, todos jovens, hoje na faixa dos 60, 70 anos. “Era bonito, sim.” Os bailes não eram apenas festas, eram encontros de vida, repletos de tradição.

Quando ainda jovem, ganhava dinheiro do pai para poder ir nas festas. “Eu fumava”, diz, “e com o dinheiro comprava uma carteira de cigarro, uma Pepsi e, no máximo, duas cervejas.” Quando a nota era grande demais, o pai dizia: “O que sobra devolve amanhã.” Era outro tempo. E, ao que parece, outro tipo de confiança.

O tempo que segue

Hoje, com as festas mais raras e os os mais lentos, Gilberto continua o que sempre fez. Planta, colhe, cuida, vive. Cada muda que cresce na horta parece carregar um pedaço da história que ele cultivou por mais de cinco décadas.

Sempre ao seu lado, seu fiel escudeiro, um cachorro que o acompanha na lavoura, que é parte daquele ciclo contínuo, ajudando a manter o ritmo da vida simples do campo. E enquanto o céu se fechava devagar naquele dia de entrevista, a terra seguia respirando sob os seus pés. Como se, mesmo em silêncio, ela também contasse as histórias de quem nunca a abandonou.

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